"Ó vós que aqui entrais: perdei toda a esperança!"

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Paquistão - 13:27

A fumaça do cigarro me provoca ainda mais sede. Estou trancado em um pequeno apartamento há dias, a temperatura deve ser de 43 graus. Eu não tenho ar condicionado. Olho para as paredes do quarto, fotos, mapas, plantas. Na mesa a minha frente, micro câmeras, escutas telefônicas, cartões de crédito, passaportes falsos... Tudo isso daria motivos o suficiente pra eu ser morto umas três vezes.

Toca o telefone.

“Alô? Sim. Ah, claro! Com certeza estarei aí para honrar o aniversário de um dos meus clientes favoritos!”

Merda, como fui esquecer o aniversário?

Toca o celular.

“Pronto. Sim senhor. Estão indo bem. Hoje haverá uma festa para o irmão do alvo, na casa dele. Já sabe? Nove horas? Não, o senhor não pode atacar hoje, eu estarei lá! Senhor, colocará minha identidade em risco. Eu entendo ma-”

Veado, desligou na minha cara. Tá legal, o que eu faço? Invento uma desculpa? Não, será muito suspeito, não posso levantar desconfiança senão não passo do aeroporto. Ok, eu chego às oito, levo um presente. Entrego, faço alguns negócios, oito e meia eu pego meu carro e saio. Nove horas eu já estarei a quilômetros de distância do inferno que aquilo vai se tornar. Eu deveria saber que esse sargento iria me foder no final. Ao menos essa missão acaba hoje. Depois de tanto tempo... Há quanto tempo estou aqui? Quantos anos? Nem eu mesmo lembro.

***


19:30

Estou pronto, vestido de meu melhor terno. Com duas maletas blindadas. Em uma delas levo meu presente ao aniversariante - que tipo de presente se dá para um terrorista? - Na outra, uma AK-47 folheada a ouro. Espero que não precise vender essa obra de arte.

Celular 02 toca.

“Alô? Sim, em breve estarei aí! O quê? Estão aqui? Oh, sem problemas, já estou descendo.”

Merda. Merda. Merda. Não é que o meu cliente gosta tanto de mim que mandou um de seus capangas vir me buscar na porta de casa? Plano B. Plano B. Merda eu tenho plano B? Desço as escadas enquanto tento pensar em alguma coisa. Nada vem em mente. Chamo um táxi. Isso. Um táxi!

Cumprimento o capanga com um grande abraço, entro no carro e sou levado até a mansão do irmão de Osama. Entro devagar, tentando manter a naturalidade. Me sinto da mesma forma como me senti quando o encontrei pela primeira vez. Como se estivessem todos olhando pra mim. Como se eu não estivesse conseguindo enganar ninguém. O aniversariante está fumando narguile sentado em um tapete, a sua volta estão alguns dos irmãos mais importantes da família. Já vendi milhões em armas pra eles. Armas que vieram direto dos depósitos dos Estados Unidos.

Cumprimento-os com um gesto respeitoso. Entrego a maleta menor ao aniversariante. Ele a coloca de lado e diz que terá o prazer de ver o meu presente mais tarde. Ele me pergunta o que tem na maleta grande. Eu respondo que era algo que eu pretendia vender para o seu irmão, mas, ao que parecia, infelizmente ele não estava conosco naquela noite. Ele me diz que é realmente uma pena, mas que dará o recado de que eu tinha algo especial para vender.

O desgraçado não estava? Eu precisava avisar o sargento. Se aquela casa fosse invadida e o homem não morresse iria tudo para o espaço e mais dez anos de caçada viriam, com certeza.

Oito e meia, levanto-me e digo que preciso ir, pois naquela noite teria um negocio de emergência para resolver. Ele fica desapontado e oferece o seu capanga para me conduzir. Respondo que usaria um táxi. Ele insiste. Digo para não se incomodar. Levanto-me e saio andando em direção a porta, devagar, a passos leves. Sinto como se estivessem me encarando pelas costas. Acho que tem uma gota de suor escorrendo pelo meu rosto. Calma, mantenha os passos leves. Estou a três passos da porta quando ouço o aniversariante chamar meu nome. Merda.

Paro, viro-me pra trás, seu olhar está fixado em mim. Pede que eu volte. Tento explicar que tenho outro compromisso. Ele diz que Osama deseja me ver. Olho no meu relógio. “20:40”. Estou atrasado. Será que ele está aí mesmo? Digo que tudo bem. Caminho de volta, ele pede pro capanga me acompanhar até o quarto principal. Entro no quarto. Lá está, sentado atrás de uma mesa. No mesmo quarto estão sua esposa sentada na grande cama de casal e uns quatro homens armados com metralhadoras. Ele me cumprimenta com um sorriso, ouviu dizer “que eu tinha algo pra ele”. Respondo que seria uma ofensa ir até àquela casa sem nada pra vender. Coloco a maleta em sua mesa, virada pra ele. Abro-a devagar enquanto acompanho sua reação ao ver aquela belezinha.

Ele pega a arma nas mãos, a examina, aponta para um de seus capangas e declara que vai ficar com ela. Pergunta-me quanto quero.

“Dezesseis mil.”

Ele acha caro e tenta reduzir o preço. Eu aceito sua oferta, apesar de tomar prejuízo. Preciso sair logo da-

Sons de tiro.

Olho para porta, gostaria de ver que horas são mas pareceria estranho. Acho que chegaram cedo demais. Há uma gritaria lá em baixo, os sons dos disparos se aproximam cada vez mais. Todos no quarto ficam apreensivos e apontam suas armas para a porta. Menos eu, que não tenho nenhuma arma em mãos. Eu disse que aquele veado ia me foder!

“Mas como foi que descobriram onde estávamos?”, perguntou o capanga que havia me levado até ali.

Um homem vem correndo e abre a porta gritando, tentando avisar algo. Provavelmente que a porra do exército americano estava subindo. Mas foi interrompido pelas centenas de balas que levou das próprias pessoas que estavam no quarto, que, no susto, transformaram o cara em uma maldita peneira. Mal deu para recuperar o fôlego e os soldados já estavam à porta. Dando inicio à matança. Peguei a minha maleta e me protegi das balas que bateram violentamente e me desequilibraram enquanto eu pulava pra trás da mesa de Bin Laden, que foi o primeiro a cair morto quando começou o tiroteio. Eles quase me mataram.

“Americano! Americano!”, eu gritava desesperadamente com a ilusão de que não fosse morto pelos meus próprios compatriotas. Enquanto o fazia, o capanga que havia perguntado como os americanos tinham descoberto aquele esconderijo me olhou com um olhar de espanto, como se compreendesse tudo agora. Não acreditei quando o vi vagarosamente apontando a arma pra mim. Quero dizer, ele deixou os soldados de lado só pra me levar junto pro inferno. Precisei fazer uma escolha. Peguei a AK-47 folhada a ouro das mãos mortas de Osama e atirei contra os soldados surdos pela adrenalina e provavelmente cocaína, enquanto corri em direção a janela.

Pulei.

Atravessei o vidro e cai uma altura de uns seis metros em cima de alguns arbustos, tentei continuar correndo quando senti uma dor desgraçada na perna, deve ter quebrado. Manquei pro mais longe que eu consegui dali, o que não foi grande coisa. Senti um forte empurrão no ombro que me derrubou, empurrão que começou a arder pra caralho. Junto com a ardência, senti meu ombro umedecendo aos poucos. Não precisa ser um gênio pra saber que levei um tiro. Olhei pra trás e lá estavam o único cara que sabia que eu era um traidor e que eu abandonei pra morte certa, e mais dois armados. A minha sorte é inacreditável.

Veio correndo na minha direção e me deu um chute na cara, os outros que vieram atrás também me chutaram. Fui espancado por pouco tempo até que eles me colocassem de joelhos e com a testa pra cima. Meu sangue escorre por cima dos meus olhos, mal consigo abrí-los, sinto algo frio encostado na minha testa.

Dizem que na hora da morte sua vida passa diante dos seus olhos.

Não foi o que aconteceu comigo. Morri naquela noite. Mas antes do meu corpo cair, antes que aqueles três caras descarregassem suas metralhadoras no meu cadáver, eu vi algo muito peculiar. Vi os frutos do meu trabalho:

Vi a Fox News dando a notícia. Vi o povo americano, meu povo, saindo às ruas para comemorar. Vi o presidente se reelegendo. Vi que tudo aquilo na verdade era apenas um golpe político. Vi que meses depois as pessoas esqueceriam o Osama. Vi que ninguém notaria que a família Bin Laden continuaria fazendo negócios milionários com os Estados Unidos. Vi que minha missão não fazia tanto sentido pra mim, parando pra pensar sobre ela. E por fim, antes de morrer pude me fazer a seguinte pergunta:

“Mas que caralho que eu vim fazer aqui?”

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