A calça jeans e a jaqueta de couro tentam me proteger do
frio. Mas a minha camisa aberta no peito, pra mostrar o coração mecânico
tatuado na minha pele marrom, cumpre a função contrária. Dou mais um trago no
filtro branco do meu cigarro. Parado no ponto de ônibus no começo de uma noite fria de São Paulo.
Este sou eu.
Pego o ônibus até o metrô. Ouvindo Indie Rock no celular.
Nunca fui com a cara desse gênero. Mas as vezes acho que combina com essa cidade. As
garotas do metrô no sábado a noite, com seus saltos, maquiagens, saias,
tatuagens, perfumes e alargadores. Prontas pra se perderem entre os junkies, as
brigas, o sexo e o álcool que a Augusta nos oferece. É uma bela visão.
Encontro os caras. Desligo a música. Vamos pro bar e pedimos
três doses de cachaça e uma lata de coca. Bebemos. Conversamos sobre a semana e
o trabalho. E sobre como as vezes isso é uma merda. Falamos sobre futuro, sobre
mulheres. O sabor da cachaça, que no primeiro gole é quase intragável, vai
começando a adormecer nossas gargantas, nosso estômago e nossas mentes. Tomamos
mais algumas doses e partimos.
Nesse ponto nosso raciocínio muda. Fica menos lógico, mais
emocional, mais explosivo. Entramos no local dando risadas e nem sabemos mais o
porque. As pessoas a nossa volta riem também. O verde transparente das garrafas
de cerveja é uma cor presente quase o tempo todo em nossas mãos. Temos
dificuldade em falar mas ninguém percebe isso. É engraçado.
Tem momentos em que os sentidos ficam completamente perdidos
por causa das luzes piscando na pista. Me sinto solto no espaço, tentado
caminhar, esbarrando em tudo. E foi em momento como esse que eu me fixei em um
par de olhos azuis. Sua dona era uma loira de cabelo curto, baixinha, tatuada.
Como as garotas do metrô. Mas cem vezes mais bonita. Eu sempre fui mais bêbado
do que conquistador. Mas nunca se sabe.
Diálogos nessas horas são difíceis.
Não sei exatamente o que eu falei, mas ela pareceu ter
gostado. Os amigos dela se juntam. Também gostam do que eu falo. Hoje eu sou um
cara engraçado. Mais uma dose. Mais um cigarro. Eu a beijei. Caralho. Meu
equilíbrio bêbado se esbarra em nuvens. A boca e o pescoço dela tinham um sabor
indescritível. Meu pescoço também parecia saboroso pra ela. Recebo tapinhas
bêbados nas costas, meus amigos tentando ser discretos, me parabenizando. Hahaha.
I'm alive.
I'm a king.
Mais uma dose e nos separamos.
O lugar já não tinha mais tanta graça. As pessoas não tinham
mais tanta graça. Estava tarde. Fui procurá-la. A encontrei beijando outro
cara. Alto. Forte. Meu equilíbrio bêbado se torce em espiral no meu estômago.
Me viro e espero essa sensação passar. Faço um sorriso. Vou fumar. Diretamente
de encontro a outras pessoas, outras garotas. Mais uma dose.
Está tarde. Vamos embora.
Não sei como cheguei
no portão do prédio no centro onde moro. Lembro da piscina. Dou a volta, vou
até os fundos. Sento no muro. Olho pra água. O sol está começando a nascer, a
manhã está azulada. Mais um cigarro. Uma música calma.
Estou cansado.
Satisfeito.
As engrenagens no meu peito se movem.
Me sinto vivo.