“E AGORA?”
Analiso a pergunta escrita em tinta preta e caixa alta na
minha parede da sala. A pilha de contas em cima da mesa começa a me nausear.
Esse é meu último mês. No próximo eles vêm tomar minha casa. Acendo um dos meus
cigarros baratos.
“Fui vencido”
Eu que tinha a Vontade de um Herói. A ganância de um
tubarão. Repasso os ultimos meses na minha cabeça, enumerando meus erros. Merda
atrás de merda. A fumaça do meu cigarro vai tomando o ambiente, deixando-o cada
vez mais cinza.
Ao lado da pilha de contas, está o meu revólver novo.
A pior parte é não ter a quem culpar, é saber que, nesse
caso, o único que merece a bala na
cabeça sou eu mesmo. O calor da brasa do cigarro, já no fim, queima meus
lábios. Jogo a bituca pra um canto e me dirijo até a mesa. As contas continuam
lá.
“Filhos da puta”
Mas que mundo é esse onde um derrotado não pode nem conviver
com seu desgosto em paz? Eles não largam do seu pé até que você esteja na rua.
Mandam conta atrás de conta, ficam te fodendo. Visto o coldre e pego o
revólver.
“Vou mostrar pra eles”
Querem me despejar né caralho? Caminho pela rua procurando o alvo mais
chocante. Vou mostrar pra eles. Ninguém fode com David Fletcher, eu é que fodo
com todo mundo. Estou em dúvida entre os diversos alvos, quem eu pego?
“Um motorista de ambulância”
Perfeito. Mando pro saco o cara, e o doente. É criativo.
Nunca vi um caso desse antes. Nessa cidade o que não falta é ambulância
correndo na rua. Caminho até as redondezas de um hospital. Tenho outras idéias
promissoras, mas me mantenho fiel ao motorista.
Espero uns minutos até ouvir o som da sirene vindo em minha
direção. Lá está ela. Grande, branca. Da calçada aponto minha arma pro
motorista, que para imediatamente. Cuzão. Mando ele descer. Ele sai chorando.
Pedindo pra eu me acalmar.
“Ajoelha”
Ele pergunta porquê. Chora feito um bebê enquanto faz
vagarosamente o que eu mandei. Uma gorda desce pela porta de trás da ambulância
perguntando o que aconteceu e quando vê a cena que eu montei solta um grito e
leva as mãos na boca.
“Fica quieta que você é a próxima”
Ao ouvir isso a desgraçada tenta correr, desastrada, tropeça
e cai de boca, como se fosse merda, e apaga. Essa me pegou de surpresa.
Pergunto pro infeliz se ele estava levando algum doente. Ele diz que sim. “Não
se mexe, vou checar”.
Um velho.
Entubado. Fraco. Olha pra mim sem entender o que está
acontecendo. Pergunto como ele está se sentindo. Ele faz um sinal de positivo
com a mão trêmula. Caminho até a gorda. Chamo o motorista “me ajuda aqui”.
Carregamos a gorda pra dentro da Ambulância.
“Você é o cara errado, me desculpe”
Ele agradece, entra no carro e vai embora. Descarrego o
revólver. Jogo as balas em um bueiro, e a arma em uma lixeira. Matar um
motorista de ambulância, que idéia estúpida. Pego o caminho de volta pro meu
apartamento cinza. Mais uma derrota.
Acendo um cigarro. Lembro das contas em cima da mesa. Sinto
náusea.
Vou queimar aquelas merdas.