No meu escritório, sentado na velha cadeira de couro marrom comprada de um brechó, de janela aberta, eu fumava um Lucky Strike vermelho. Amargamente arrependido de não ter mandado consertar o ar-condicionado quando tive a chance:
- Você deveria ter mandado consertar o ar-condicionado.
Disse Wilson, um pobre coitado de vinte e poucos anos, careca, pardo e magrelo. Meu "Auxiliar Administrativo". Se formou em publicidade e não teve muita sorte nesse setor e acabou tendo que aceitar o salário e as condições de trabalho de merda que eu ofereço. Não por maldade, mas porque eu vivo quebrado:
- Eu sei, eu sei. Com o dinheiro do próximo caso eu mando arrumar.
Ah, eu não te disse? Sou detetive particular.
- Ótimo. Um tal de Joelson te ligou. Pediu pra retornar com urgência.
- Isso há quanto tempo?
- Hoje de manhã.
- E você só avisa agora?
- Precisava da garantia de que você iria consertar o ar.
- Depois conversamos sobre isso, passa o número dele.
Liguei pro cara. Atendeu no primeiro toque. O número era de telefone fixo. Ele ficou parado ao lado do telefone esperando minha ligação?
- Alô? Joelson? Recebi seu recado. Aqui quem está falando é David, detetive particular. Em que posso te ajudar?
Quando ele respondeu, falou ininterruptamente por cerca de três minutos. Ouvi atentamente. Boquiaberto e chocado. O rapaz estava claramente perturbado. Se identificou como ufólogo, disse ter provas da existência "deles", de como "eles" agiam e que estavam entre nós. O bom e velho papo de quem fritou os miolos com o uso prolongado de alucinógenos. Esperei que ele terminasse de falar pra desligar o telefone na cara dele:
- E aí, o que era? - Peguntou Wilson.
- Um maluco. Falando algo sobre ETs.
- Ele não parecia maluco quando falou comigo.
- Mas era. E eu não sou psiquiatra pra ficar cuidando de doido.
- E se fosse um maluco com dinheiro? Pô, chefe. A gente precisa desse ar-condicionado.
Me joguei na cadeira. Acendi outro Lucky. Faziam 36 graus naquele momento. O garoto estava certo. Peguei o telefone e liguei novamente.
- Rua Pastor Damião, 360, quarto 28 - Foi o que ele disse quando atendeu, seguido de - Venha depressa, por favor, eles estão vin-
E foi interrompido por um som ao fundo. Eu nunca fui bom de ouvido mas parecia muito com o som de alguém derrubando a porra da porta:
- Puta que pariu! - Gritei enquanto pegava meu casaco e corria pro meu carro. O cigarro ainda na boca.
O local era um hotel na Bela Vista, bem perto do meu escritório, voei pela faixa exclusiva de ônibus na Brigadeiro Luis Antonio e cheguei lá em minutos. Deixei uma bala na agulha do meu .38 e desci do carro. Atravessei a rua rapidamente. Um calor da porra e eu de casaco pra esconder o coldre.
Entrei no hotel e a recepção estava vazia. Subi as escadas e entrei no corredor do segundo andar. O lugar estava tomado por um silêncio ensurdecedor. De uma janela aberta no fim do corredor eu conseguia ouvir o som da rua: Motores de ônibus, buzinas de motos, conversas difusas entre as pessoas. Passei pelas portas até chegar no quarto entre o 26 e 30. Quarto 28. Onde Joelson supostamente estava hospedado. A porta estava no chão. Tiro o .38 do coldre e entro:
- Joelson?
Ninguém responde. Caminho pelo quarto. É pequeno, uma cama, uma escrivaninha e um banheiro. Está vazio. Faz um frio absurdamente fora de contexto. Começo a sentir que vou me foder. Verifico a escrivaninha: Documentos, fotografias, mapas, anotações, o telefone que ele usou pra me ligar. Na parede a frente, mais documentos pendurados. O Rapaz viajou fundo.
Ao lado da cama encontrei um retrato de um gordinho de óculos abraçado com uma senhora. "Deve ser ele. E essa provavelmente é a mãe", pensei. Eu observava o retrato quando ouvi uma voz fria, morta, quase robótica, atrás de mim. Minha espinha arrepiou na hora:
- Ele não está mais aqui.
Me virei rapidamente e lá estava ele, enorme, passava os dois metros de altura facilmente. Usava terno e chapéu pretos, óculos escuros e luvas de couro. Que porra é essa.
- Quem é você? - Perguntei.
- Sou o agente 16, da segurança - Ele respondeu mostrando um cartão onde no centro estava escrito com letras grandes "SEGURANÇA" e no canto inferior direito, com letras pequenas, "AGENTE 16" - E preciso que você se retire imediatamente.
- Segurança de onde? E o que você fez com o pobre gordinho que dormia nesse quarto? Não é querendo ser chato, mas ele me deve um conserto de ar-condicionado. Preciso que você o devolva, e se você não devolver... Bom, vou te dar muito mais trabalho do que ele deu. - Eu suava frio, quase tremia enquanto dizia essas palavras -
Então o Agente 16 tirou os óculos e o filho da puta não tinha sobrancelhas e me encarou com os seus olhos anormalmente grandes.
- Você é o detetive David Fletcher não é?
- Isso mesmo.
- Li o seu arquivo no caminho e assumi que você é um homem inteligente. Estou errado?
- Não.
- Então, detetive, eu sugiro que você não faça mais perguntas e saia. Embaixo do travesseiro está todo o dinheiro que ele tinha, considere esse o seu pagamento.
Levantei o travesseiro e tinham duas notas de vinte embaixo dele. Olhei pro Agente 16, queria perguntar se ele estava falando serio, mas ele estava me encarando com aqueles olhos gigantes. Guardei o revólver, acendi um cigarro, coloquei as notas no bolso. O Agente colocou de volta os óculos escuros e ficou imóvel. Passei pelo pequeno espaço da entrada que ele deixou livre, de forma que ficamos constrangedoramente próximos por alguns segundos. Ele me acompanhava com a cabeça. Voltei pelo corredor sem olhar pra trás, sabendo que ele continuava me observando. Já havia descido o primeiro degrau da escada quando ele disse:
- Vá pela sombra, detetive.
Parei por alguns segundos, tentando pensar numa resposta, mas só conseguia pensar em sair daquela situação bizarra.
Desci as escadas sem responder.
***
Com os quarenta reais do Joelson comprei um ventilador usado na Santa Efigênia, que larguei na mesa do Wilson quando voltei.
- Liga isso aí. - Eu disse.
- E aí, como foi lá? Viu algum alien?
- Se eu te contasse você não acreditaria. - Respondi acendendo um cigarro e me jogando na minha cadeira.
Wilson ligou o ventilador. Constatei que ele (o ventilador) não servia pra nada, quase piorava. Era como se estivesse jogando ar quente na minha cara. O que havia acontecido? Então as teorias da conspiração eram reais? Refleti um pouco e não cheguei em nenhuma conclusão aceitável e a verdade era que eu já estava de saco cheio. Foda-se aquele ventilador de merda, foda-se o Joelson, foda-se o Agente 16 e foda-se a ufologia.
Faziam 37 graus em São Paulo e estávamos entrando na semana mais quente do ano.